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****** SALA VIP: “CARTA de uma DESCONHECIDA”



Ao longo da vida conhecemos muitas pessoas. Algumas delas ficam ao nosso lado até o fim dos nossos dias, outras durante um certo tempo, marcando-nos de um alguma maneira, mas a maioria não tem qualquer importância. Porém, essa indiferença banalizada nem sempre é recíproca. Sem saber, podemos exercer uma grande influência na vida de alguém que praticamente desconhecemos, e vice-versa. Desse fato corriqueiro, levado ao extremo, sustenta-se o hipnótico CARTA de uma DESCONHECIDA, um raro filme de arte hollywoodiano. Daquele que nos leva às lágrimas. Baseado num romance do escritor austríaco Stefan Zweig, que veio a se suicidar em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1942, e realizado pelo alemão Max Ophuls (1902 - 1957) durante sua breve passagem por Hollywood, tem roteiro de Howard Koch (o mesmo de “A Carta / The Letter”, 1940, e “Casablanca / Idem”, 1942) e os chatinhos Joan Fontaine e Louis Jourdan como protagonistas. Crítica mordaz e devastadora ao mito e à ideologia do amor romântico, ao mesmo tempo incentiva uma identificação do público com o sofrimento da estúpida heroína.

AMOR IMORTAL


Na bela Viena da virada do século 19, um pianista boêmio e mulherengo, Stefan Brand (o galã francês Louis Jourdan), recebe uma carta de uma suposta estranha confessando uma história de amor obsessiva. Quando ler esta carta, eu já estarei morta, anuncia a remetente. Então, em flashback, ficamos sabendo de sua pungente e abnegada paixão pelo egocêntrico pianista. Ainda garota, Lisa Berndle (Joan Fontaine, em comovente interpretação), sonhando em ser artista, apaixona-se platonicamente por esse músico célebre, alimentando-se de um sentimento ilusório. 

Ela deseja casar-se com ele, mas o amado nem sabe da sua existência e quase todas as noites dorme com uma mulher diferente. No entanto, terminam por se conhecer e vão rapidamente para a cama. No dia seguinte, ele parte em uma tournée para nunca mais voltar, deixando-a grávida. Anos depois, já casada com um rico senhor, ela o encontra casualmente na apresentação de uma ópera de Mozart, mas ele nem se lembra de sua existência. Do ponto de vista feminino, percebe-se o vazio da visão masculina sobre as mulheres. Mas o diretor, solidário, mudou o final do original e fez o mocinho fútil morrer em um duelo.

VIRTUOSISMO e SOFISTICAÇÃO

max ophuls
Conto melancólico do amor que brota da obsessão para cair no esquecimento, CARTA de uma DESCONHECIDA é implacável, com assombrosos movimentos de câmera, de planos e enquadramentos, de rostos expressivos nas sombras da ilusão e da esperança vã. Tragédia brutal do romantismo, realizada por um dos melhores diretores de todos os tempos, Max Ophüls, o cineasta do travelling, do virtuosismo da mise-en-scène e da sofisticação. Diretor internacional, ele abandonou a Alemanha no início do nazismo devido a origem judaica, realizando filmes na França, Itália, Holanda e nos EUA. 

Com extrema elegância narrativa, cenografia de bom-gosto e cuidadosa direção de atores, os seus filmes marcaram época, destacando-se os suntuosos e inteligentes “Conflitos de Amor / La Ronde” (1950), “O Prazer / Le Plaisir” (1952), “Desejos Proibidos / Madame De...” (1953) e “Lola Montès / Idem” (1955). No entanto, sua carreira se encerraria relativamente cedo, com as interferências dos produtores no elenco e na montagem de seu único longa colorido – com extraordinário tratamento do espaço na tela em CinemaScope -, Lola Montés, levando-o a uma morte súbita por desgosto. Jacques Becker o homenagearia em “Os Amantes de Montparnasse / Les Amants de Montparnasse” (1958), o mesmo acontecendo com Jacques Demy em “Lola, a Flor Proibida / Lola” (1961). Fenomenal na arte de filmar, no jogo de luzes e sombras, Ophuls  me lembra outro esteta: Luchino Visconti.

joan fontaine

Cineasta clássico (como William Wyler, Vincente Minnelli ou Otto Preminger), no mais puro sentido do termo, Ophüls preocupava-se com a beleza formal e técnica do enquadramento, e com um argumento bem definido, centrado fundamentalmente nas paixões amorosas transitórias. Seus filmes se caracterizam por impressionante beleza plástica, num estilo autoral que transforma um simples drama romântico em uma ardente experiência cinematográfica. Com movimentos de câmara fantásticos, conta suas histórias com tomadas sinuosas que duram vários minutos. Mas esse movimento constante não é meramente decorativo ou exibicionista. O cenário, no cinema de Ophüls, é importante, e ao explorá-lo incessantemente, demonstra como seus personagens são definidos, e muitas vezes constrangidos, pelo ambiente que os cerca.

PEIXES VOADORES CARIOCAS

Fracasso absoluto na época do lançamento – considerado exageradamente sentimental -, quase arruinando a carreira hollywoodiana de Max Ophüls (onde rodaria apenas mais dois – e excelentes - filmes), o sombrio CARTA de uma DESCONHECIDA teve boa aceitação na Europa. Curiosamente, muitos anos depois, tornou-se um dos filmes mais exibidos na tevê dos Estados Unidos. Mesmo de extrema importância, não é o melhor trabalho do genial diretor, mas é obrigatório. Para os românticos, imperdível. Para os cinéfilos, uma oportunidade de conhecer um mito do cinema. Como curiosidade, em um diálogo da personagem de Joan Fontaine, falando sobre o Rio de Janeiro, ela conta sobre a Baía da Guanabara, onde saltam peixes voadores.

joan fontaine
Trata-se de um clássico absoluto, de uma riqueza inesgotável, que dribla facilmente os clichês do melodrama. Ophüls e o fotógrafo Franz Planer (de “A Princesa e o Plebeu / Roman Holiday”, 1953) capturam, com rara habilidade, a atmosfera da Viena da Belle Époque, no que são ajudados pelo suntuoso figurino de Travis Banton. Merece ainda ser destacada, como um dos pontos altos, sua trilha sonora. Segundo a análise da ácida crítica Pauline Kael, em CARTA de uma DESCONHECIDA “Joan Fontaine sofre até não mais poder, porém de uma maneira tão elegante, nesta evocação romântica da Viena de fins do século XIX, que não sabemos se cobrimos de pancada a pobre criatura traída ou damos o braço a torcer e choramos. Max Ophüls fez este filme em Hollywood, mas sua Viena é de uma estilização tão romântica e de uma textura tão bela quanto seus filmes europeus. O tema (quase sempre o seu tema) é a diferença das visões do amor”.

Os ATORES

jourdan e fontaine
Com três indicações ao Oscar de Melhor Atriz, das quais ganhou injustamente por Suspeita / Suspicion, de 1941, Joan Fontaine (nascida em 1917), irmã mais nova da estrela Olivia de Havilland e inimiga mortal desta, estreou nas telas em “Adeus Mulheres / No More Ladies”, de 1935. Embora tenha sido protagonista com Fred Astaire em “Cativa e Cativante / A Damsel in Distress” (1937) e com Douglas Fairbanks Jr. em “Gunga Din / Idem” (1939), foi com o gótico “Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca” (1940), de Hitchcock, que atingiu o estrelato. Seus papéis nos anos 40, resvalaram para o elitismo, mas ela caminhou para personagens mais duros na década seguinte, às vezes corrompidos, dirigida por mestres como Nicholas Ray, Fritz Lang, George Stevens, Anthony Mann e Robert Rossen. Teve diversos maridos, entre eles o ator Brian Aherne. Fez sucesso também na Broadway, com Chá e Simpatia, ao lado de Anthony Perkins. 

Nascido em Marselha, 1921, Louis Jourdan esteve em atividade no cinema por seis décadas, estreando em 1939. Na Segunda Guerra juntou-se à Resistência Francesa. Contratado por David O. Selznick, lançou-se em Hollywood no fracassado “Agonia de Amor / The Paradine Case” (1947), de Alfred Hitchcock. O auge de sua carreira foi nos anos cinqüenta, com êxitos como “A Fonte dos Desejos / Three Coins in the Fountain”(1954), com Jean Peters; Julie /Idem (1956), com Doris Day; O Cisne / The Swan (1956), com Grace Kelly, e Gigi / Idem” (1958), com Leslie Caron. Atuou também na Broadway e na televisão. Nos anos 70, sua carreira enfrentou dificuldades, só se recuperando em 1983 como o vilão de 007 Contra Octopussy / Octopussy. Despediu-se das telas em 1992.


CARTA de uma DESCONHECIDA 
(Letter From an Unknown Woman, 1948)

País: EUA; Duração: 87 mins.; P & B; Produção: John Houseman; (Rampart Production); Direção: Max Ophuls; Roteiro: Howard Koch, adaptado do romance de Stefan Zweig; Fotografia: Frank Planer; Edição: Ted J. Kent; Música: Daniele Amfitheatrof; Cenografia: Alexander Golitzen (d.a.); Russell A. Gausman e Ruby R. Levitt (déc.); Vestuário: Travis Banton; Elenco: Joan Fontaine (“Lisa”), Louis Jourdan (“Stephan Brand”), Mady Christians, Marcel Journet, Art Smith e Carol Yorke.

Nota: ***** (ótimo)

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